Como Eu Diagnostico Morte Encefálica Com Base na Resolução CFM n° 2173/2017
16 de dezembro de 2024
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O conceito de morte encefálica (ME) passou a ser definido após a publicação do The depassed coma, em 1959.
Um levantamento quanto ao critério de determinação de morte encefálica em 2002 evidenciou uma heterogeneidade na legislação e nos critérios para o diagnóstico de morte encefálica.
No Brasil, a resolução n° 1480 de 1997 incorporou procedimentos internacionais com alto grau de rigidez e segurança. Entretanto, devido a avanços tecnológicos e melhor entendimento do processo de morte encefálica, uma revisão para aprimoramento dos critérios foi necessária e o CFM descreveu esta nova resolução publicada em 2017 e que é adotada atualmente.
A determinação de ME deve ser realizada de forma padronizada e com especificidade de 100%. Qualquer dúvida no processo de determinação de ME inviabiliza o seu diagnóstico.
Os procedimentos para determinação de ME devem ser iniciados em todos os pacientes que apresentem coma não perceptivo, ausência de reatividade supraespinhal e apneia persistente, independente da condição de doador ou não.
Qualquer dúvida na determinação da ME impossibilita o seu diagnóstico
A data e hora do óbito é definida pela data e horário da conclusão do último procedimento para determinação de ME.
Para a determinação de ME, todas as condições abaixo devem ser seguidas:
Pré-requisitos:
Presença de lesão encefálica de causa conhecida, irreversível e capaz de causar ME.
Diagnóstico da lesão causadora por avaliação clínica e confirmação por exame de imagem ou outros métodos.
A incerteza da presença de lesão irreversível ou de sua causa impossibilita o diagnóstico de ME.
Observação do autor do resumo: Não é obrigatório o diagnóstico etiológico para que seja definido como pré-requisito. O diagnóstico sindrômico pode ser suficiente ( ex.: Hipertensão intracraniana com edema cerebral difuso, mesmo que na suspeita não confirmada de meningite)
Ausência de fatores tratáveis que possam confundir o diagnóstico de ME
Na presença ou suspeita de distúrbios hidroeletrolíticos, intoxicação exógena e distúrbios ácido/base graves, a equipe responsável pela determinação de ME deve definir se tais anormalidades são capazes de causar ou agravar o quadro clínico.
A hipernatremia grave refratária não inviabiliza o diagnóstico de ME se não for a única causa do coma
Em caso de uso em infusão contínua de fármacos depressores de SNC em doses usuais, deve-se aguardar 4 a 5 meias vidas após a interrupção do fármaco antes de iniciar o protocolo.
Em caso de insuficiência renal, insuficiência hepática, hipotermia terapêutica, suspeita de intoxicação ou uso em doses maiores que as doses terapêuticas habituais, deve-se aguardar tempo superior a 5 meias vidas do fármaco. O tempo será determinado de acordo com: gravidade das disfunções, doses e tempo de uso dos fármacos para ter certeza de que ocorreu metabolização ou eliminação dos fármacos, ou então pela constatação que seu nível sérico se encontra na faixa terapêutica ou abaixo dela.
Ausência de hipotermia grave
A temperatura central (esofagiana, vesical ou retal) deve ser maior que 35°C
Saturação arterial de O2 maior que 94%
Limites de pressão arterial de acordo com idade:
>16 anos: PAS ≥ 100 mmHg ou PAM ≥ 65 mmHg.
7 a 15 anos: PAS ≥ 90 mmHg ou PAM ≥ 65 mmHg.
2 a 7 anos incompletos: PAS ≥ 85 mmHg ou PAM ≥ 62mmHg.
5 meses a 2 anos incompletos: PAS ≥ 80 mmHg ou PAM ≥ 60 mmHg.
Até 5 meses incompletos: PAS ≥ 60 mmHg ou PAM ≥ 43mmHg.
Acompanhamento em ambiente hospitalar por no mínimo 6h. Se a causa primária for encefalopatia hipóxico-isquêmica, o período mínimo de observação hospitalar é de 24h.
Exame Clínico:
Coma não perceptivo: Estado de inconsciência permanente com ausência de resposta motora supraespinhal a qualquer estimulação.
Descerebração ou Decorticação inviabiliza o diagnóstico de ME
Sinais de persistência de atividade medular podem ser observados e não invalidam a determinação de ME, ex.: reflexos tendinosos profundos, atitude em opistótono, flexão do tronco, adução ou elevação de ombro, sudorese, rubor ou taquicardia.
Exame clínico demonstrando ausência de reflexos de tronco cerebral
Ausência de reflexo fotomotor: pupilas fixas e sem resposta a estimulação luminosa intensa. As pupilas podem ter contorno irregular, diâmetro variável ou serem assimétricas
Ausência de reflexo córneo-palpebral: sem resposta de piscamento à estimulação do canto inferior lateral da córnea.
Ausência de reflexo oculocefálico: Durante movimentação rápida da cabeça no sentido lateral e no sentido vertical, não há desvio ocular. Este teste não deve ser realizado em caso de suspeita ou confirmação de lesão cervical.
Ausência de reflexo vestíbulo-calórico: irrigação do conduto auditivo externo com 50 a 100 ml de água fria (± 5°C) com a cabeça em posição supina e a 30° não evidenciando desvio ocular durante 1 minuto de observação. Deve ser dado um intervalo mínimo de 3 minutos para a realização do teste contralateral. Otoscopia deve ser realizada antes para excluir perfuração timpânica e rolha de cerúmen.
Ausência de reflexo de tosse: À estimulação traqueal com cânula de aspiração, não se observa tosse ou bradicardia reflexa.
Em caso de alterações congênitas ou adquiridas que impossibilitem a avaliação em um dos lados dos reflexos fotomotor, córneo-palpebral, oculocefálico, e vestíbulo-calórico o protocolo pode ser continuado desde que haja possibilidade de realização do teste do lado contralateral.
Observação do autor do resumo: A impossibilidade de realizar alguma prova em ambos os lados impede o diagnóstico de ME
Intervalo mínimo de tempo entre os dois exames clínicos
Adultos e crianças acima de 2 anos de idade: 1h
De 2 a 24 meses incompletos: 12h
De 7 dias a 2 meses incompletos: 24 h
Teste de Apneia
Para a determinação de ME, deve ser realizado um teste de apneia.
O paciente deve ser ventilado com FiO2 de 100% por no mínimo 10 min para atingir idealmente PaO2 ≥ 200 mmHg e PaCO2 entre 35 e 45 mmHg
Coletar gasometria arterial inicial
Desconectar ventilação mecânica
Estabelecer fluxo contínuo de O2 que pode ser feito por:
Cateter intratraqueal ao nível da carina a 6 L/min
Tubo T a 12 L/min
CPAP com 12L/min e 10 cmH2O
Observar presença de qualquer movimento respiratório por 8 a 10 min
Coletar gasometria arterial final
Reconectar ventilação mecânica
O teste deve ser interrompido se:
PAS < 100 mmHg ou PAM < 65 mmHg
Hipoxemia significativa
Arritmia cardíaca
Refazer o teste se PaCO2 final for inferior a 56 mmHg após a melhora da instabilidade
Não é necessário repetir o teste de apneia se o primeiro for positivo.
Interpretação dos resultados:
Positivo: PaCO2 no final do > 55 mmHg sem que haja movimentos respiratórios mesmo que o teste seja interrompido antes de 10 min.
Inconclusivo: PaCO2 no final do < 55 mmHg sem que haja movimentos respiratórios mesmo que o teste seja interrompido antes de 10 min.
Negativo: Presença de movimentos respiratórios com qualquer valor de PaCO2.
Observação do autor do resumo: Não existe um delta de aumento da PaCO2 que pode ser utilizado para definição de um teste positivo em substituição ao valor de PaCO2 > 55mmHg
Exame Complementar
É obrigatória a realização de um exame complementar para demonstrar de forma inequívoca a ausência de perfusão sanguínea ou atividade elétrica ou metabólica cerebral
A escolha do teste deve ser feita levando em consideração a condição clínica e disponibilidade local.
Os possíveis exames complementares são
Angiografia cerebral, demonstrando ausência de fluxo sanguíneo intracraniano
Doppler transcraniano, constatando ausência de fluxo sanguíneo intracraniano pela presença de diástole reversa e pequenos picos sistólicos na fase inicial da sístole
Eletroencefalograma, evidenciando inatividade elétrica.
Cintilografia, SPECT Cerebral, demonstrando ausência de perfusão ou metabolismo encefálico
A presença de atividade elétrica cerebral ou perfusão sanguínea significa existência de atividade cerebral residual. Em situações de ME, a repetição desses exames horas ou dias após constatará o desaparecimento da atividade residual
Observação do autor do resumo: É possível testes falso negativos ou positivos e, assim, a escolha do teste deve ser feita de acordo com a condição do paciente. Ex.: Pacientes com suspeita de ME por intoxicação exógena com sedativos não devem realizar o EEG como teste complementar.
Equipe médica
Cada exame clínico deve ser realizado por um médico capacitado diferente.
Um dos médicos capacitados deverá ser especialista em alguma das seguintes especialidades médicas: Medicina intensiva, medicina intensiva pediátrica, neurologia, neurologia pediátrica, neurocirurgia ou medicina de emergência.
São considerados capacitados:
médicos com no mínimo 1 ando de experiência no atendimento de pacientes em coma e que tenham acompanhado ou realizado pelo menos 10 determinações e ME
ou
médicos que tenham realizado curso de capacitação de determinação em ME em programas que atendam critérios do CFM
A direção técnica de cada hospital deverá indicar os médicos capacitados a interpretar os procedimentos e exames complementares para determinação de ME
Nenhum dos médicos envolvidos na determinação de ME poderá participar de equipe de remoção e transplante de órgãos
Comunicação
Familiares ou representantes legais do paciente deverão ser esclarecidos sobre o significado de ME, o modo de determinar seu diagnóstico e do resultado de cada uma das etapas da sua determinação
É admitida a presença de médico de confiança da família do paciente durante a realização das provas
Constatado a ME, o médico tem autoridade ética e legal para suspender procedimentos de suporte terapêutico, e assim deve proceder, exceto se doador ou potencial doador.
Em caso de paciente candidato à doação de órgãos e tecidos, o suporte orgânico e cuidados ao potencial doador deve ser mantido.
Autor do conteúdo
Guilherme Lemos
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/como-eu-diagnostico-morte-encefalica-com-base-na-resolucao-cfm-n-21732017
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