Colchicina É Necessária Como Profilaxia Durante o Escalonamento da Dose de Alopurinol em Gota?
05 de novembro de 2024
6 minutos de leitura
Colchicina profilática reduz a incidência de crises de gota em pacientes no início do tratamento com alopurinol, em comparação ao placebo?
O tratamento da gota baseia-se em objetivos principais: o controle de crises agudas e a redução da uricemia sérica para a prevenção de novas crises e a dissolução de tofos. É bem reconhecido o risco aumentado de crises agudas de gota no início da terapia uricorredutora. Por isso, indica-se tradicionalmente o uso concomitante de anti-inflamatórios não-hormonais ou colchicina de forma profilática nesta fase. No entanto, este risco foi observado em estudos que iniciaram de forma abrupta doses elevadas de alopurinol, como 300 mg/dia. Hoje em dia, principalmente pelo risco de reação de hipersensibilidade ao alopurinol, o início do tratamento geralmente é feito em doses menores, com aumento gradual de acordo com a uricemia sérica (estratégia “start-slow, go slow”). Assim, questiona-se se o início com dose baixa e o aumento gradual de alopurinol também elevam o risco de crises agudas, e se o benefício da associação da terapia profilática com colchicina se mantém neste cenário.
Ensaio clínico randomizado de não-inferioridade
Multicêntrico (2 centros na Austrália e na Nova Zelândia)
Duplo-cego
Controlado por placebo
Randomização eletrônica 1:1 estratificada por centro participante
Amostra estimada necessária de 100 participantes em cada grupo, visando uma margem de não-inferioridade de 0,12 crise/mês, com um poder de 80% e taxa de perda de seguimento/desistência de 10%.
Indivíduos com gota definida pelos critérios ACR 2015, incluídos entre fevereiro de 2019 e dezembro de 2021
Idade ≥18 anos
Pelo menos uma crise aguda de gota nos últimos 6 meses
Indicação pelo ACR de início de terapia uricorredutora
Ácido úrico sérico ≥0,36 mmol/L (6 mg/dL) no início do estudo.
História de contraindicação ou intolerância a alopurinol ou colchicina
Uso concomitante de azatioprina, ciclosporina ou outros imunossupressores (pela interação com o alopurinol)
Doença renal crônica em estágios 4 ou 5
Comorbidades não-compensadas (insuficiência cardíaca, infarto recente, câncer avançado ou demência).
Colchicina 0,5 mg 1x ao dia por 6 meses (+ alopurinol na dose inicial de 50 mg/dia se ClCr <60 mL/min/m2 ou 100 mg/dia se ClCr ≥60 mL/min/m2, com aumento mensal em 50 mg se ClCr <60 mL/min/m2 ou 100 mg se ClCr ≥60 mL/min/m2, com alvo de uricemia sérica <6 mg/dL).
Placebo 1x ao dia por 6 meses (+ alopurinol na dose inicial de 50 mg/dia se ClCr <60 mL/min/m2 ou 100 mg/dia se ClCr ≥60 mL/min/m2, com aumento mensal em 50 mg se ClCr <60 mL/min/m2 ou 100 mg se ClCr ≥60 mL/min/m2, com alvo de uricemia sérica <6 mg/dL).
Primário: número médio de crises agudas de gota por mês entre 0 e 6 meses.
Secundários: Número médio de crises de gota por mês entre 0 e 3 meses; entre 6 e 12 meses; percentual de pacientes com crises agudas em cada mês durante o estudo; tempo até a primeira crise de gota; alteração na uricemia sérica desde o início do estudo; alteração na contagem de tofos desde o início do estudo; alterações nas escalas visual analógica de dor, de limitação (HAQ) e de qualidade de vida associada à saúde desde o início do estudo. Desfecho de segurança: eventos adversos (sérios e não sérios) durante o estudo.
MasculinoFeminino
Colchicina (n=100) x Placebo (n=100)
Duração da gota: 10,7 x 12,4 anos
Ácido úrico sérico inicial: 9,36 x 8,64 mg/dL
ClCr: 77,4 x 77,4 mL/min/1,73 m2
Frequência de crises agudas de gota nos últimos 6 meses (mediana e interquartis): 2 (2-4) x 2 (1-4)
Presença de tofos: 26 x 23%
Observou-se um maior número de crises agudas de gota em 6 meses no grupo placebo em comparação ao grupo colchicina, e o critério de não-inferioridade não foi atingido (0,35 crises/mês x 0,61 crises/mês, diferença média entre grupos de 0,25 crises/mês, P=0,92 para não-inferioridade).
O número de crises de gota/mês nos meses 0 a 3 foi menor no grupo colchicina em comparação ao grupo placebo (0,45±0,09 x 0,74±0,09, P=0,02).
O número de crises aumentou no grupo colchicina após o 6º mês (descontinuação da colchicina), com pico no 9º mês e queda após, o que não foi observado no grupo placebo. Assim, o número médio de crises/mês no período de 0 a 12 meses foi semelhante entre os grupos (0,44±0,06 x 0,48±0,06, P=0,68).
O nível sérico de ácido úrico foi semelhante entre os grupos nos meses 6 e 12.
Não houve diferença nos outros desfechos secundários entre os grupos.
O número de efeitos adversos foi maior no grupo que recebeu colchicina, mas estes eventos adversos não foram atribuídos à medicação. O número de efeitos adversos atribuíveis à medicação foi similar entre os grupos.
O uso de colchicina profilática no início do tratamento com alopurinol em dose baixa, seguido de aumento gradual, reduziu o número de crises agudas de gota e não foi considerado não-inferior ao placebo.
Ensaio clínico randomizado metodologicamente apropriado e com poder para responder à pergunta do estudo.
O seguimento adicional de 6 meses após a suspensão de colchicina permitiu observar um aumento no número de crises agudas nesse grupo em comparação ao grupo placebo, tornando o número de crises/ano equiparável entre os dois grupos.
Estudo que responde uma questão clínica extremamente relevante no manejo de pacientes com gota, com implicações diretas na prática médica
As crises de gota em determinado período foram autorreportadas pelos pacientes e não avaliadas por médicos. Assim, o número de crises pode ter algum viés e a intensidade das crises não foi avaliada;
Fatores de risco sabidamente importantes para as crises agudas de gota não foram avaliados e levados em consideração na randomização dos pacientes entre os grupos, como hábitos dietéticos e consumo de álcool;
O estudo não incluiu pacientes com doença renal em estágios 4 e 5. Portanto, os resultados (em especial as análises de segurança) não podem ser generalizados para essa população.
Autor do conteúdo
Marília Furquim
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/colchicina-e-necessaria-como-profilaxia-durante-o-escalonamento-da-dose-de-alopurinol-em-gota
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