Qual o Contexto?

As doenças reumáticas estão frequentemente associadas à ativação de diversas vias e citocinas inflamatórias, como a via do inflamassomo, NFκB, TNF-alfa, IL-2, IL-6 e IL-17A. Embora seja amplamente reconhecido que medicamentos sintéticos e biológicos são eficazes no bloqueio dessas vias e na gestão das condições reumáticas, a questão persiste: será que alimentos, programas de exercícios físicos e cuidados com a saúde bucal possuem um potencial anti-inflamatório adicional? Surge, assim, a proposta de um “estilo de vida anti-inflamatório” que possa ser recomendado aos pacientes, apresentada no Congresso Brasileiro de Reumatologia em mesa redonda coordenada pelo Dr. Mauricio Raposo de Medeiros.

Evidências Apresentadas na Palestra:

Os palestrantes iniciam destacando que a maior parte das evidências sobre o estilo de vida anti-inflamatório está ligada à prática regular de diferentes modalidades de exercício físico. Abaixo, apresentamos uma tabela que sintetiza as principais doenças reumáticas, as modalidades de exercício recomendadas, a periodicidade e os efeitos observados em marcadores inflamatórios, conforme uma revisão sistemática de 2024:

Além de modularem a expressão de citocinas, essas modalidades de exercícios, quando realizadas regularmente, promovem melhorias na função física, redução da dor e fadiga, além de diminuírem a necessidade de medicamentos anti-inflamatórios em pacientes com doenças reumáticas.

Em um nível de evidência mais modesto, diferentes dietas e suplementações também foram avaliadas. Pacientes reumáticos frequentemente apresentam uma alimentação deficiente, caracterizada por alta densidade calórica e baixa ingestão de fibras e micronutrientes, como cálcio, magnésio e ferro. Dietas ricas em gorduras saturadas e carboidratos refinados têm sido associadas à ativação do NF-κB, levando à expressão de citocinas pró-inflamatórias. Em contrapartida, dietas ricas em ácidos graxos ômega-3 (presentes em peixes e linhaça), frutas, vegetais (ricos em antioxidantes), polifenóis (como chá verde e cúrcuma) e fibras alimentares demonstram potencial para inibir o NF-κB. Uma metanálise de 2021 revelou uma redução média de 9,2 mm na escala de dor e uma diminuição média de 2,51 mg/L no PCR em pacientes que adotaram essa dieta. Outras metanálises indicaram benefícios do consumo de polifenóis e cúrcuma (> 500 mg por mais de 8 semanas) na redução do PCR e na melhoria do DAS-28 em pacientes com artrite reumatoide. A utilização de probióticos também parece reduzir o PCR, embora os dados sejam limitados. Os palestrantes concluem que não há evidências que comprovem a redução da inflamação por meio de dietas que restrinjam glúten ou lactose.

Qual o Impacto na Prática?

Na prática clínica, é possível e desejável recomendar aos pacientes um estilo de vida anti-inflamatório. Tal estilo deve incluir práticas de exercícios físicos, preferencialmente combinando modalidades aeróbicas, de equilíbrio e resistência, de forma regular e contínua. A dieta deve ser baseada em peixes, frutas, vegetais frescos, cereais integrais e nozes. O uso de chás e cúrcuma pode ser um adicional benéfico. Por fim, é essencial garantir avaliações odontológicas regulares e tratamento adequado para gengivites e cáries, que são lesões iniciais no desenvolvimento de periodontite e doenças periapicais.

Texto elaborado pela Dra. Leticia Pletsch - Reumatologia USP-SP