Cateter Nasal de Alto Fluxo vs Ventilação Não Invasiva em Pacientes Com Insuficiência Respiratória Aguda.
20 de fevereiro de 2025
9 minutos de leitura
O uso de cateter nasal de alto fluxo é não inferior à ventilação não invasiva em relação á taxa de intubação ou óbito em 7 dias?
O cateter nasal de alto fluxo (CNAF) e a ventilação não invasiva (VNI) são utilizados em diversas situações para manejo da insuficiência respiratória. Entretanto, nem todos os pacientes conseguem tolerar bem a VNI devido ao desconforto. O CNAF oferece algumas vantagens que incluem a melhora da oxigenação, redução do espaço morto, potencial recrutamento alveolar, umidificação e aquecimento das vias aéreas e redução da PaCO2. Além disso, mostrou-se mais confortável e tolerável do que a VNI. Em contrapartida, o CNAF pode ser menos efetivo que a VNI para a redução do trabalho respiratório nos casos de insuficiência respiratória aguda. Hoje, as evidências que suportam o uso de VNI são baseadas na comparação de VNI com cateter nasal de baixo fluxo e a eficácia do CNAF em comparação à VNI ainda é incerta. Neste cenário, o estudo RENOVATE avaliou a não inferioridade do CNAF em relação à VNI, e investigou uma possível superioridade na redução das taxas de intubação orotraqueal (IOT) ou óbito em grupos de pacientes hospitalizados com insuficiência respiratória aguda.
Ensaio clínico randomizado de não inferioridade
Multicêntrico, envolvendo 33 centros no Brasil
Aberto
Randomização na proporção de 1:1 em blocos e estratificada de acordo com o centro e grupo de pacientes
Os pacientes foram inicialmente classificado em 1 de 4 grupos mutuamente excludentes: Imunocompetentes com hipóxia; Imunocomprometidos com hipóxia; DPOC exacerbado com acidose respiratória; Edema agudo de pulmão
Após março de 2020, inevitavelmente pacientes com COVID-19 ingressaram nos estudos em um dos 4 grupos de pacientes e, após 2023, esses pacientes foram separados em um 5° grupo para fins de análise estatística
Considerando um efeito absoluto de 36% para a VNI na taxa de intubação orotraqueal e que a margem de inferioridade não poderia exceder metade desse efeito. Superioridade seria avaliada
Pacientes com insuficiência respiratória aguda em UTI, sala de emergência ou unidade de internação incluídos entre 2019 e 2021
Idade ≥ 18 anos
Insuficiência respiratória aguda, definido pela presença dos dois seguintes critérios:
Saturação periférica de O2 (SpO2) < 90% ou PaO2 < 60 mmHg em ar ambiente
Presença de esforço respiratório (uso de musculatura acessória, respiração paradoxal ou assincronia toraco-abdominal) ou taquipneia (FR > 25 irpm)
Necessidade de intubação orotraqueal (IOT) de urgência
Instabilidade hemodinâmica
Contraindicação ao uso de VNI
Uso de cateter nasal de alto fluxo administrado continuamente
Iniciado com fluxo de 30 L/min para pacientes com DPOC com acidose respiratória e 45L/min para os demais
Ajuste de fluxo gradual até o fluxo máximo tolerado pelo paciente, ou até o máximo de 60 L/min
FiO2 iniciada a 50%, sendo ajustada para manter SpO2 de 88 a 92% no grupo DPOC com acidose respiratória e entre 92 e 98% nos demais grupos
O desmame poderia ser iniciado após 24h se houvesse melhora clínica
Terapia de resgate com VNI foi permitida para pacientes do grupo DPOC e edema pulmonar cardiogênico a critério médico.
Uso de VNI, com máscara facial
No grupo DPOC, a VNI foi ajustada com IPAP entre 12 e 16 cmH2O e EPAP de 4 cmH2O. Para os demais grupos, IPAP de 12 a 14 cmH2O e EPAP de 8 cmH2O
O IPAP ou EPAP poderiam ser aumentadas independentemente em incrementos de 1 ou 2 cmH2O até um máximo de 20 cmH2O de IPAP e 12 cmH2O para EPAP ou então até o máximo tolerado pelo paciente
A FiO2 foi ajustada para alvo de SpO2 de 88 a 92% no grupo DPOC e 92 a 98% nos demais grupos.
Antes da randomização, foi permitido o uso de O2 em baixo fluxo para todos os pacientes, e a VNI foi permitida para a maioria dos pacientes, exceto para aqueles com edema pulmonar cardiogênico agudo
Primário: necessidade de IOT ou óbito em 7 dias
Secundários: mortalidade em 28 dias, mortalidade em 90 dias, dias livres de ventilação mecânica em 28 dias
MasculinoFeminino
1766 pacientes / 62% masculino e 38% feminino
Hipoxia imunocompetente
CNAF (N= 249) x VNI (N= 236)
Média de idade: 17 x 63
Sexo feminino: 46,2% x 44,7%
Mediana SAPS 3: 60 x 60
Uso de cateter de O2 de baixo fluxo antes da randomização: 92,4% x 92,4%
Uso de VNI antes da randomização: 39% x 34,3%
Mediana de SpO2: 86% x 86%
HAS: 51% x 51,7%
DM: 32,5% x 28,8%
SPOC: 28,1% x 27,5%
IC: 17,7% x 22,5%
DRC: 11,6% x 8,1%
Neoplasia: 8,4% x 6,4%
Hipóxia imunocomprometido
CNAF (N= 28) x VNI (N= 22)
Média de idade: 54 x 53
Sexo feminino: 42,9% x 31,9%
Mediana SAPS 3: 65 x 63
Uso de cateter de O2 de baixo fluxo antes da randomização: 82,1% x 85,7%
Uso de VNI antes da randomização: 17,9% x 18,2%
Mediana de FR: 29 x 29
Mediana de SpO2: 86% x 88%
HAS: 39,3% x 22,7%
DM: 10,7% x 9,1%
DPOC: 7,1% x 13,6%
IC: 0% x 9,1%
DRC: 3,6% x 13,6%
Neoplasia: 32,1% x 50,0%
DPOC exacerbado com acidose respiratória
CNAF (N= 35) x VNI (N= 42)
Média de idade: 74 x 71
Sexo feminino: 42,9% x 64,3%
Mediana SAPS 3: 63 x 58
Uso de cateter de O2 de baixo fluxo antes da randomização: 88,6% x 92,7%
Uso de VNI antes da randomização: 37,1% x 38,1%
Mediana de FR: 27 x 27
Mediana de SpO2: 83% x 85%
HAS: 60% x 52,4%
DM: 34,3% x 31%
DPOC: 100% x 100%
IC: 25,7% x 19%
DRC: 5,7% x 4,8%
Neoplasia: 0% x 4,8%
Edema Agudo de Pulmão Cardiogênico
CNAF (N= 136) x VNI (N= 136)
Média de idade: 71 x 70
Sexo feminino: 48,5% x 50%
Mediana SAPS 3: 58 x 59
Uso de cateter de O2 de baixo fluxo antes da randomização: 80,9% x 88,2%
Uso de VNI antes da randomização: 0% x 0,7%
Mediana de FR: 28 x 28
Mediana de SpO2: 88% x 88%
HAS: 76,5 x 86%
DM: 47,1% x 50,7%
DPOC: 19,1% x 24,3%
IC: 52,9% x 58,8%
DRC: 16,9% x 27,2%
Neoplasia: 2,2% x 2,2%
Hipoxemia por COVID-19
CNAF (N= 435) x VNI (N= 447)
Média de idade: 60 x 60
Sexo feminino: 32,2% x 34%
Mediana SAPS 3: 55 x 55
Uso de cateter de O2 de baixo fluxo antes da randomização: 89,4% x 85,7%
Uso de VNI antes da randomização: 25,7% x 28,9%
Mediana de FR: 30 x 29
Mediana de SpO2: 85% x 85%
HAS: 43,7% x 43,6%
DM: 25,5% x 24,2%
DPOC: 3,2% x 4,9%
IC: 6% x 4,9%
DRC: 6,7% x 8,1%
Neoplasia: 3,4% x 2,7%
O recrutamento foi interrompido precocemente por futilidade em análise interina
No grupo de pacientes imunocompetentes com hipoxemia, o cateter nasal de alto fluxo foi não inferior e não superior à VNI em relação a intubação ou óbito em 7 dias: 32,4% x 33,1% (OR 1,02; IC 95% 0,81 a 1,26, e PPNI de 0,999, PPS 0,687)
No grupo DPOC exacerbado com acidose respiratória, o cateter nasal de alto fluxo foi não inferior e não superior à VNI em relação a intubação ou óbito em 7 dias: 28,6% x 26,2% (OR 1,05; IC 95% 0,79 a 1,36, e PPNI 0,992; PPS 0,546)
No grupo edema agudo pulmonar cardiogênico, o cateter nasal de alto fluxo foi não inferior à VNI em relação a intubação ou óbito em 7 dias: 10,3% x 21,3% (OR 0,97; IC 95% 0,73 a 1,23, PPNI 0,997; PPS 0,608)
No grupo hipoxemia com COVID-19, o cateter nasal de alto fluxo foi não inferior à VNI em relação a intubação ou óbito em 7 dias: 51,3% x 47,0% (OR 1,13; IC 95% 0,94 a 1,38, PPNI 0,997; PPS 0,568)
No grupo de pacientes imunocomprometidos com hipoxemia, o cateter nasal de alto fluxo foi inferior à VNI em relação a intubação ou óbito em 7 dias: 57,1% x 36,4% (OR 1,07; IC 95% 0,81 a 1,39, e PPNI 0,989), sendo atingido critério de futilidade.
Em relação aos desfechos secundários, mortalidade em 28 dias, mortalidade em 90 dias e dias livres de ventilação mecânica, não houve diferença entre os dois tipos de tratamento em nenhum dos 5 grupos de pacientes avaliados.
A incidência de eventos adversos graves foi similar entre ambos os grupos de tratamento: 9,4% x 9,9%
O uso de cateter nasal de alto fluxo é não inferior à ventilação mecânica não invasiva em relação a intubação orotraqueal ou óbito em 7 dias para pacientes imunocompetentes com hipoxemia, DPOC exacerbado com acidose respiratória, hipoxemia por COVID-19 e edema agudo pulmonar cardiogênico.
Ensaio clínico randomizado multicêntrico, aumentando a validade externa dos resultados observados.
Desfecho clinicamente relevante
Houve interrupção precoce do recrutamento do grupo de pacientes imunocomprometidos com hipoxemia, o que reduz o poder estatístico do estudo
O grupo COVID-19 foi incluído em um grupo separado após março de 2023. Alguns pacientes do grupo imunocomprometido incluídos na análise interina, tinham COVID-19, o que pode interferir no resultado do estudo.
Houve crossover elevado em alguns grupos: 9,2% em imunocompetentes com hipoxemia randomizados para CNAF, 22,9% em DPOC randomizados para CNAF, 5,1 em edema agudo randomizados para CNAF, 9% de COVID randomizados para CNAF e 7,6% de COVID randomizados para VNI. Essa alta taxa de crossover pode impactar no resultado final do estudo.
Foi permitida a terapia de resgate com VNI em pacientes com DPOC e VNI. A permissão de resgate com VNI, pode diminuir a capacidade de identificação e falha terapêutica no grupo CNAF.
Análise estatística permitindo que um paciente fosse incluído em mais de um grupo (borrowing), o que é interessante para aumentar a amostra, mas aumenta a complexidade estatística do estudo
Autor do conteúdo
Guilherme Lemos
Referências
Públicação Oficial
https://app.doctodoc.com.br/conteudos/cateter-nasal-de-alto-fluxo-vs-ventilacao-nao-invasiva-em-pacientes-com-insuficiencia-respiratoria-aguda
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