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    ADA 2024 - Existe Lugar para Tratamentos Não Insulínicos no Diabetes Tipo 1?

    27 de junho de 2024

    6 minutos de leitura

    Qual o Contexto?

    A falta da reposição de insulina, seja através de múltiplas aplicações diárias ou de sistemas de aplicação contínua de insulina, é incompatível com a vida em pacientes com diabetes tipo 1 (DM1). De acordo com registros internacionais apresentados pelo Dr. Ele Ferranini, no Encontro da Associacao Americada de Diabates 2024, o controle da glicemia avaliado por HbA1c encontra-se adequado somente em uma pequena parcela de pacientes pediátricos, variando conforme as faixas etárias, o que traduz o desafio do controle glicêmico e suas comorbidades. Portanto nesse encontro foram discutidas perguntas relevantes - existe lugar para a inibição do SGLT2? uso de agonistas do receptor de GLP1? ou antagonistas do receptor mineralocorticóide? 

    Resumo da Discussão

    Existe Lugar para a Inibição do SGLT em Diabetes Mellitus Tipo 1? O professor Ferranini (Pisa, Itália) apresentou os dados relacionados aos estudos com os inibidores de SGLT2 (i-SGLT2) em portadores de DM1, evidenciando o racional da utilização desses agentes nessa população: a redução da glicemia através do aumento da excreção urinária de glicose é vantajosa e independente da ação da insulina. Alguns protocolos de estudo de fase 3 foram desenvolvidos com a utilização de i-SGLT2, como dapagliflozina, sotagliflozina e empagliflozina, em participantes com DM1, com o objetivo de avaliar sua eficácia e segurança. Os resultados mostraram eficácia, com redução de HbA1c de 0,3-0,5% e possibilidade de redução da dose de insulina, além da diminuição de albuminúria entre 13-31% em relação ao valor basal. Os pacientes também obtiveram perda de peso em torno de 1,5-2,5 kg e queda dos níveis pressóricos entre 2 e 4 mmHg. Quanto à segurança, os riscos observados foram aumento de infecções, principalmente genitais micóticas, mas também de trato urinário, e um importante aumento da ocorrência de cetoacidose diabética, diretamente dependente da dose do i-SGLT2. Não houve diferença na ocorrência de hipoglicemias severas entre os grupos. Dr. Ferranini apontou que o aumento de cetoacidose é esperado, já que os i-SGLT2 aumentam a oxidação de lipídios, a lipólise e os níveis de glucagon, promovendo maior mobilização de ácidos graxos livres e triglicerídeos. Com o aumento da cetogênese, os níveis de beta-hidroxibutirato se elevam e os altos níveis de cetonas induzem náuseas, promovendo menor ingestão calórica e mais depleção de volume, agravada pela baixa disponibilidade de insulina nesses pacientes. A evolução para um quadro de cetoacidose euglicêmica, de rápida evolução, se instala a partir daí. Segundo o professor, compreender melhor como esses eventos acontecem é fundamental para se obter saídas para minimizá-los, e quem sabe, usar doses menores e promover menor redução das doses de insulina poderiam reduzir o risco.

    Existe Lugar para o Agonista do Receptor de GLP1 em Diabetes Mellitus Tipo 1? O Dr. Michael Nauck (Bochum/Alemanha) discutiu a utilização terapêutica do efeito do GLP1 nos pacientes com DM1, com a expectativa de redução de peso corporal, melhora do controle glicêmico, redução das doses de insulina e do risco de hipoglicemia, diminuição do risco cardiovascular e melhora da função e da massa de células beta. Dr. Nauck apresentou dados de estudos da década de 90, onde a ação do GLP1 em pacientes com DM1 mostrou resultados favoráveis sobre a glicemia, com redução do glucagon. Em seguida, pesquisas com GLP1 e Exendina-4 apontaram inibição da apoptose e estímulo à proliferação da célula beta em modelos animais. De acordo com o professor Nauck, esses efeitos benéficos na massa e/ou função de células beta não se confirmaram em seres humanos com as moléculas estudadas até então. Trabalhos clínicos randomizados com moléculas como liraglutida e albiglutida, agonistas do receptor do GLP1 (GLP1-RA), em pacientes com DM1 e obesidade, trouxeram resultados de controle glicêmico modestos, tanto em HbA1c (queda de 0,4%) quanto através de monitorização contínua, porém sem hipoglicemias. O achado mais importante foi a redução de peso corporal (em torno de 4 kg), com doses altas, numericamente maior que o observado nos pacientes com diabetes tipo 2 (DM2). Os pacientes puderam reduzir as doses de insulina em torno de 8 UI, mas acredita-se que isso tenha contribuído para o aumento do risco de cetoacidose, observado nesses estudos. Houve também aumento de náuseas, vômitos e diarreia nos participantes em uso dos GLP1-RA, em comparação com placebo. Mesmo sem aprovação, agonistas do receptor do GLP1 mais novos, como a semaglutida, e o análogo dual, tirzepatida, vêm sendo usados em pacientes com DM1, com sobrepeso ou obesidade. Trabalhos retrospectivos de séries de casos com esses agentes mostram resultados de redução de peso ainda mais volumosa. No entanto, segundo o professor Nauck, o problema é que a meia-vida longa desses agentes dificulta a previsibilidade dos possíveis efeitos colaterais relacionados a essas medicações. A opinião do Dr. Nauck é que o tratamento com GLP1-RA promove redução do peso, diminuição do glucagon e retardo do esvaziamento gástrico, ocasionando queda da glicemia e da necessidade de insulina. Para aqueles pacientes com boa saúde e boa adaptação ao tratamento, o uso de GLP1-RA traz uma pequena melhora do controle glicêmico, sem aumento do risco de hipoglicemia. No entanto, naqueles que apresentam mais efeitos colaterais como náuseas, vômitos e diarreia, e os que estão submetidos a intercorrências agudas como febre, infecção, stress (nas quais há necessidade de maiores doses de insulina), o risco de cetose e cetoacidose aumenta. Com relação aos benéficos efeitos cardiovasculares dos GLP1-RA em DM1, ele afirma que ainda são especulação. Dr. Nauck finaliza dizendo que é necessário analisar se os modestos efeitos no controle glicêmico e a redução do peso podem compensar potenciais riscos adversos como a cetoacidose.

    Existe Lugar para o Antagonista do Receptor Mineralocorticóide em Diabetes Mellitus Tipo 1? O Dr. Hiddo L Heerspink (Groningen/Holanda) lembrou que o dano cardiorrenal nos portadores de diabetes segue vias metabólicas (pobre controle glicêmico), hemodinâmicas (elevada pressão arterial e/ou intraglomerular) e vias inflamatórias e fibrose. No entanto, a maior parte das atuais terapias medicamentosas disponíveis para tratamento da doença renal crônica nos pacientes com diabetes têm como alvo atender às alterações metabólicas e hemodinâmicas, não incluindo a via inflamatória, a qual está diretamente ligada ao aumento da atividade do sistema renina-angiotensina, produzindo mais aldosterona. Ele apresentou dados que demonstraram que o risco cumulativo da incidência de falência renal, 30 anos após o diagnóstico de DM1, é de 7%. A progressão para doença renal em estágio final e a mortalidade têm taxas elevadas nesses pacientes, em especial por causas cardiovasculares, como doença ateromatosa e insuficiência cardíaca, eventos também relacionados aos efeitos da ação mineralocorticoide. Dr. Heerspink apresentou dados dos estudos com a finerenona, um novo antagonista do receptor mineralocorticoide não esteroide, mais seletivo, por alterar a afinidade do receptor e do tropismo tecidual, trazendo menos riscos que a espironolactona. Os estudos FIDELIO e FIGARO com a finerenona, em DM2, mostraram que houve importante redução de desfechos relacionados a insuficiência renal e cardíaca. Para avaliar se a finerenona, em associação com tratamento padrão, é superior ao placebo em reduzir a relação albumina/creatinina, em pacientes com DM1 e doença renal crônica, encontra-se em andamento o estudo FINE-ONE. Trata-se de um estudo randomizado, duplo-cego, placebo-controlado, de fase 3, com participantes que apresentam taxa de filtração glomerular entre 25 e 90 ml/min, já em uso de bloqueadores da enzima conversora ou bloqueadores de canal de cálcio, sem uso de i-SGLT2 ou GLP1-RA. Provavelmente, na opinião do Dr. Heerspink, como não há mudança na dose de insulina com o uso dessa medicação, não haveria preocupação com a possibilidade de cetoacidose. A ideia nesse estudo é usar a variação da albuminúria como um biomarcador de ponte para transpor a evidência de proteção renal com a finerenona no DM2 para o DM1. De acordo com o professor, a utilização da albuminúria como um marcador de ponte para essa finalidade preenche os critérios necessários exigidos.

    Qual o Impacto na Prática?

    Apesar de grandes avanços no arsenal terapêutico do DM1, com tecnologias capazes de alterar o tempo de ação da insulina, além de sensores de glicose e dispositivos de infusão contínua de insulina que se comunicam com estes sensores, o tratamento ainda permanece um desafio para portadores da doença e seus médicos. Os experts concordaram que ampliar as possibilidades terapêuticas, além da insulina, para essa população tem fundamental importância, mas sua indicação ainda carece de mais evidências científicas, em especial quanto à segurança do seu uso.


    Autor do conteúdo

    Equipe DocToDoc


    Referências

    Públicação Oficial

    https://app.doctodoc.com.br/conteudos/ada-2024-existe-lugar-para-tratamentos-nao-insulinicos-no-diabetes-tipo-1


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